Reflexões

Uma necessidade saciável

Os teus olhos me consomem por inteiro antes que os lábios e mãos se inclinem para tocar a minha pele. Se eles são as janelas da alma, as suas vidraças são imundas e o interior da casa pega fogo quando eu sou o objeto observado.

Estranho em como sou vista como presa, idealizada para tal. A razão para sua força bruta ao apanhar-me e envolver-me entre os seus braços. Eu sou um suprimento básico, uma necessidade saciável. Não possuo individualidade, embora eu não seja como as outras, e nem nenhuma delas seja igual a mim.

Todas essas mulheres que repousaram sobre a sua cama, acreditaram que era além. Mas eu sei que não sou nada demais. São as minhas propriedades, aquelas comuns com todas as outras, que te arrastam instintivamente até mim. A boca carnuda. Os longos cabelos negros escorridos. A construção da curvatura que se inicia na altura do quadril e cai, até estender-se finitamente pelas pernas. A textura macia, juvenil, da pele na qual estou presa. A cor de cappuccino. O calor e a pressão do túnel que serviria a origem do vida, mas que faz grunhir como um animal.

Unimos as matérias, reagimos em forma frenética pois desejamos nos comprimir um no outro, formar o novo e um só. O desejo atrai nossos corpos para a busca de uma unidade única, mas a perseguição nessa vontade causa justamente a repartição. Num instante somos as matérias rígidas que se pressionam para incluírem-se como um só em si, e no outro nos derretemos em dois líquidos divergentes e que vão logo se repelir.

Confundida pela minha própria vontade, por um minuto imagino a exclusividade do momento. A autenticidade da reação como única no mundo, só possível pela junção perfeita de nós dois. Mas eu sou realista. A minha ilusão é uma fração dentro da minha noção da realidade. Então, eu me instruo a ser estéril e não deixar que esse sentimento invasivo causado pelo descuidado e falta de percepção do real, se desenvolva em mim.

Sou refém do meu desejo, mas não serei da irracionalidade da pose. A privatização do outro é a pior mentira que os poetas tentaram nos persuadir.

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