Quando idealizei sobre o amor romântico, me contentava em supor que seria ardente, devoto e sublime. Mas agora devo admitir que só o que restou para mim foram as gotas da solução salgada que dos meus olhos se derramam, cuja contenção não sou capaz de fazer, tal como os homens não podem se barrar da força bruta do mar. Se a terra pode ser submersa pelas águas, posso eu ser inundada pelas minhas lágrimas? O dilúvio que me amaldiçoou. Tal qual a criação que se rebelou, fui castigada sem piedade. Mas diferente destes, não houve nenhuma parte de mim poupada. Não houve arca para me redimir, nem promessa de salvação. Você só me… diluiu.
Diluiu. Não sou mais parte de mim, sou partículas do todo – igualmente todas as outras que você possuiu. Não me diferencio mais, os meus trejeitos tão próprios se esvaíram no momento em que se fez claro a minha invalidez perante a ti, a clareza no meu significado: dispensável. Não tenho mais rosto, sou como o quadro cuja feição está inacabada. Tornei-me para ti só um registro no tempo, tal como um nome marcado a lápis se esvaindo numa agenda velha. Algo pra se lembrar nos dias de fadiga, nos momentos em que a mente se esvazia da realidade e deseja uma pequena fantasia, um luxo a mais.
Quisera que eu fosse sua serva infeliz pra sempre, que me contentasse com as migalhas deixadas pelo caminho. Que para mim bastasse os teus dias de desejos carnais. Incapaz de admitir ver que eu anseiava por mais do que restos. Por quantas vezes sonhei que me atracava a ti, que nos enlaçávamos como cordas, contornando um ao outro com o desespero de um adeus. Eu seria tudo pra ti, você seria tudo pra mim. Como o oxigênio essencial que inspiramos, a água para a sede, o vinho para o desejo de embebedar, o sono para o cansado. A necessidade do necessário.
Fui deixada a deriva. Como uma embarcação que saiu da rota, amaldiçoada pelo infeliz acaso de encontrar o mau tempo. Não sairia do meu porto seguro se soubesse da tormenta que me esperava, das ondas brutais que me engoliriam, que desviariam do caminho feliz traçado por mim, que me condenariam a ser um barco amaldiçoado a flutuar no teu mar de indiferença. Um nau assombrado a navegar nas águas da sua desdém. Como um navio fantasma que surge no horizonte entre a névoa, a fantasia deprimente do que poderia ter sido na imagem real do que é. Uma mera jangada abandonada. A destruição deixa suas marcas.”
Eu te mostro o que eu escrevo e você me diz o que eu sou?
Rio Claro/SP. 20 anos.