Na estrada, linhas horizontas delimitam a rodovia, separando visualmente do verde matagal que cresce rebelde sob a luz do sol latente do interior paulista. O carro corre na pista, as rodas apertando-se contra aquele asfalto uniforme. Tem uma música tocando no rádio, um instrumental bonito e melancólico com uns cortes de guitarra, como uma daquelas canções da “Twilight Playlist” que acompanham as sugestões do youtube. Sempre me lembrando que eu ainda tenho uma parte daquela garota de 15 anos que pinta a unha de preto e usa all star, assistindo crepúsculo e sentindo que ser tão fria quanto a atuação da Kristen Stewart é o que significa ser “atrativa”. Dá vontade de rir e de chorar ao mesmo tempo, porque é sempre um misto de emoções lembrar sobre quem eu fui. Como as histórias que eu criei não se concluíram.
Faz sentido abrir a janela do carro agora, e é por isso que eu não hesito. Sentir o vento no rosto me faz tomar consciência e lembrar do quão é bom simplesmente estar vivo. Minha narrativa correu pra outras conclusões. Ainda há gotas de arrependimentos na minha afirmativa anterior. Aquela sensação persistente de que eu não segui aquela direção artística que eu achei que estava predestinada. Resumir como objetivo a busca por dinheiro em trabalhos corporativos é mais parecido com o meu retrato agora. Também é algo que vejo em comum com alguns colegas de trabalho, da faculdade e da vida. É visível no olhar dos 20 e poucos que sempre há alguns choques da realidade. Não são todos, pois há a margem do privilégio burguês, como também há as críveis exceções daqueles que mesmo nos mais desfavoráveis cenários conseguiram trilhar o seu lugar no seu sonho e dominar a sua história idealizada, tornando-a palpável e real. Mas uma boa quantidade de nós, ainda se sente “mal direcionado”, pra não dizer que estamos meio perdidos. Não é que a gente seja infeliz. Eu não sou verdadeiramente infeliz. Mas não dá pra dizer que nós seguimos as nossas vocações. Eu conheço um monte de colegas que queriam ser escritores, atores, músicos, dançarinos, pintores, criadores de algo pra ser bem sincera. Porque todo mundo tinha essa sensação que dava pra transmitir muito mais pro mundo. Ou melhor, a bolha escolar na qual eu estava condicionada queria ser assim.
Ninguém se deu mal. Mas um monte de coisas nos desviaram daquele instinto artístico. A necessidade de dinheiro e a noção do trabalho, o desejo de consumir o que as propagandas oferecem, o novo modelo de vida comercializado, as novas companhias inseridas nas nossas vidas, a pandemia e as músicas e filmes nos serviços de streaming. É ridículo achar que seríamos os mesmos, mas perder essa veia da arte não é natural também. Eu os vejo pelos filtros do instagram, pelas vidas exibidas nas redes sociais de modo geral, e sinto que havia algo mais antes. Um sentimento de frustação é mútuo em nós, ou eu apenas estou projetando minhas próprias problemáticas num grupo de pessoas que eu conheci e que evoluíram suas crenças e objetivos. Não dá pra ter muita certeza de nada, no fim. Mas não quero deixar isso se esvair. Esse dom de produzir sentimentos pela escrita, pelo desenho, pela música, ou o que for. É uma recusa de ser meramente movida pelas circunstâncias. Eu gostava daquela garota de 15 anos. E é por isso que eu consigo o trajeto com o vidro da janela aberto, pra inspirar a consciência de que estar vivo é bom, mas que o sentido não pode ser só existir. É preciso sentir, como o vento que me toca agora.
Eu te mostro o que eu escrevo e você me diz o que eu sou?
Rio Claro/SP. 20 anos.